Akira Toriyama (1955-2024)

O criador do clássico Dragon Ball faleceu a 1 de Março de 2024 e eu queria deixar umas palavras sobre o impacto da sua obra, e derivados, em mim.

O Dragon Ball foi uma série que me acompanhou na infância e adolescência, ainda antes de começar a consumir livros avidamente. Lembro-me com prazer de me sentar no sofá a comer doces e a ver, ansioso, o combate contra o Majin Buu, ou o torneio dos guerreiros. Mais tarde vim a interessar-me por animes como One Piece e HunterxHunter, ambos abundantemente inspirados pelo Dragon Ball e que marcaram a minha própria criatividade. Como adulto vi a última série a sair do franchise e adorei, embora a narrativa em si não fosse nada elaborada e as personagens simples. Mas isso faz parte do apelo do Dragon Ball, o que gostei foi de ver os combates, as escalas de poder e o lado cómico. Por exemplo, o deus supremo é apresentado como uma criança ingénua, que decide fazer um torneio entre os guerreiros mais fortes de entre diferentes universos para afastar o aborrecimento.


O que o Dragon Ball trouxe de novo, para incómodo das elites intelectuais, foi a catarse pela luta. O divertimento numa série com uma narrativa simples, engraçada e onde os combates servem para entretenimento. Lembro-me bem de ter professoras que nos alertavam para o perigo de ver Dragon Ball, porque era uma série onde os heróis eram ressuscitados, onde era possível voar e já para não falar da violência. Mas esses avisos, naturalmente, despertavam ainda mais a nossa curiosidade.


A capacidade de voar, concretizar desejos depois de uma aventura para apanhar as esferas de cristal, viajar a outros planetas e lançar um Kamehameha são alguns duns elementos que nos faziam gostar tanto de ver Dragon Ball. O prazer da fantasia que nos afasta deste mundo cruel, duro e difícil.

Onde encontrar a influência de Dragon Ball na minha literatura?

Nos sítios em que descrevo combates entre personagens com capacidades completamente fora do normal sem um propósito evidente para o «plot», ou seja, pelo entretenimento e catarse do combate de artes marciais. Não me interessam os venenos e pistolas que só são usados em certos momentos de muita tensão acumulada, interessa-me ver como dois mestres de artes marciais dão tudo o que têm pela vida deles e dos seus!


Também nos meus livros com elementos de fantasia aparecem referências mais diretas, como seja as bolas de energia, estilo kamehameha, em combates. E nas personagens extremamente fortes e prodigiosas, capazes de ultrapassar grandes obstáculos através do treino e dedicação.
Certamente estes elementos não aparecem em todos os meus livros, mas são particularmente visíveis em alguns casos. O livro onde será mais visível o impacto de Toriyama, contudo, ainda não foi publicado. Será o Mérito e Sujidade, com lutas, treino e poderes que relembram os que vimos em Dragon Ball; um livro, já agora, escrito, acima de tudo, pelo divertimento.

Lista das minhas publicações influenciadas, em parte, pelo Dragon Ball:

  • A Tormenta
  • O Assassino
  • As TransBonitas

Deixo-vos dois trechos:

Subitamente, saltam um contra o outro.
O homem alvo espeta um murro diretamente contra o Sem Nome, que pressente a força e protege-se imediatamente com ambos os antebraços. O murro tem tanta força que as proteções metálicas ficam marcadas com as nós dos dedos e o corpo é impelido contra uma parede, rachando-a. 
«Se eu sentisse dor, teria acabado aqui», mas mal bate contra a parede ganha impulso e salta contra o inimigo; desvia-se do murro seguinte, agachando-se. Empunha a faca e salta contra o alvo, esticando o braço; o homem alvo tem o impulso imediato de saltar para trás. 
A faca provoca-lhe um corte superficial no braço.
“Essa faca deve ter veneno”, diz o homem alvo, “se eu fosse normal, isso seria um problema”, então revela um sorriso largo, “mas eu não sou normal, sou um monstro!”.
«Sabia!» O Sem Nome prepara-se para a nova investida do homem alvo, desviando-se de cada murro e pontapé desse corpo com quase o dobro do seu tamanho. Tenta espetar a faca nesse enorme alvo. Contudo, o segurança final revela-se não só extremamente forte, mas também rápido.
Com uma chave de auto-defesa, o Sem Nome tenta desviar o impacto de um murro, mas o adversário aplica imediatamente a contra-chave; com a mão livre tenta atacá-lo com a faca, mas a mão livre do outro não hesita e dá-lhe um golpe no pulso — a faca voa para longe e o Sem Nome desvia-se para trás. Mas o homem alvo avança contra ele simultaneamente ao salto, conseguindo agarrar-lhe ambas as pernas com um braço e encostá-lo à parede. O braço livre liberta uma enchente de murros velozes e rápidos contra o Sem Nome, que se defende com os antebraços.
Em menos de trinta segundos mantêm uma tensão entre os murros seguidos de um e as defesas do outro — bloqueados contra a parede. O Sem Nome concentra-se como nunca antes se concentrou, aguça todos os sentidos ao ponto de apenas o corpo existir.
Continua a defender-se, apesar das proteções metálicas e imunidade à dor, percebe que os seus braços estão prestes a vacilar. Nesses breves segundos a velocidade inicial do atacante, finalmente, diminui. Atento, subitamente, vê uma micro-abertura e avança sem hesitar e sem sequer pensar — um antebraço bloqueia um murro e o outro dispara com a mão contra o peito do homem alvo, «tão duro!», trespassa o colete com tanta força que torce os dedos da mãos, mas continua a avançar com a mão nesse breve instante. Os dedos trespassam a pele e a carne, por entre os ossos, até agarrar o coração e assim que o agarra esmaga-o e o enorme corpo imobiliza-se, caindo.

O Assassino (Capítulo 15),
Francisco Pascoal

Nos golpes, Miguel não foi acanhado
Contra Satã, mas este é tão matreiro
E resistente, tal bola energética
De branca e negra força, que em ordeiro
Acertou Miguel, este de epilética
Forma rebola no ar, e o sorrateiro
Satã um murro, no ar, com frenética

Força, acerta no estômago do invicto
Miguel, que cospe sangue, tão convicto.
Contudo, arremessado no ar se compõe
E um raio plasma azul dispara e acerta
No escudo virtual, Satã se põe
Atrás das cinco pontas. E em esperta
Chance, de novo, golpes que se dispõe
A dar no já ferido anjo, e desperta

A sua finalíssima potência —
Músculos cheios, ante a veemência
Da aura azul desse arcanjo e reluzente
Espada branca, quase atormentou
Satã, que se hesitou num maldizente
Espírito. E Miguel o segmentou,
Mutilando um dos braços. Do jazenteSatã, o crânio agarra — Lamentou

    As TransBonitas (Canto VI, estrofes 85-87),
    Francisco Pascoal

    Em suma, um autor que me influenciou artisticamente e que me divertiu bastante em momentos de lazer. Deixo esta pequena reflexão como homenagem a Akira Toriyama.

    Akira Toriyama, 1982
    STR/JIJI Press/AFP via Getty Images

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